Do livro: Milho de Grilo (Marcos Delgado Gontijo)
É preciso viver por dentro e por fora.
“É preciso viver por dentro e por fora.”
Ao dar início à leitura da obra Milho de Grilo de Marcos Delgado Gontijo, deparei-me com essa afirmação. Pensei, então: vamos lá, descobrir o que se quer dizer com viver por dentro e por fora.
Meu conhecimento prévio sobre alguns poemas do autor, havia me dado uma noção do que seria esse viver tão amplo. Mas, foi com a imersão mais profunda em seus escritos que se ampliou, ainda mais, essa significância.
E a grata surpresa foi que quanto mais eu lia e viajava nas metáforas encontradas na obra, maior se tornava meu encantamento. E diante dos poemas, do mundo descrito, estava também eu ali disposta, sem, no entanto, condições de escrever acerca de tão belos poemas, em presença de tão cativantes cenários.
Foi uma incrível viagem poética, onde contemplei, alegre, as metáforas macias, que iam desde mãos aveludando ombros, a voz musicando ouvidos. Transportei-me nas cores que vinham das palavras. Senti a própria alma da poesia versada sobre as manhãs. Cativei-me com a doçura do verso tornar-se o chapéu fresco de alguém sob o sol fogoso, em ser abrigo na tormenta e sombra na caminhada. E toda essa gama de percepções era apenas o começo.
A cada novo poema com que meus olhos eram agraciados, mais eu adentrava esse mundo das metáforas, mais submergia nos versos, e mais desejava avançar na poesia ali disposta. Quantas preciosidades ainda estariam por vir? Vastos eram os campos onde as palavras decoravam belamente as páginas ritmando cores. Nitidamente, foi-me possibilitado avistar imageticamente os montes vestidos com as saias de neblinas.
Eu nunca houvera imaginado algo tão belo, e percorri esse lindo caminho. As palavras eram flores adornando. Os versos eram sonhos transportando a indescritíveis lugares onde a só ternura do sentimento habita. Percorri charmosas trilhas, desde onde a lua chamusca com seu brilho pálido, às mensagens que vento transporta. Vi a pureza das emoções em se brincar com um filho, até o entrelaçar do abraço mais terno e puro.
Nos poemas dessa obra, literalmente nas palavras do autor, vi que se fecharam as histórias e que se abriram as lendas. E assim, não tive saída, a não ser indagar nos poemas, seu âmago, sua alma. Capturar o segredo das entrelinhas e traçar novo poema nas palavras já estendidas desde a primeira à última linha e extrair a alma da obra buscando a poesia contida na poesia. E a poesia se mostra sendo tão rara, tão óbvia, tão infinita, tão presente, tão essencial.
“ (...)
Arrasto comigo
Bagagens, ternuras, angústias
Vivências, quimeras, desejos
As responsabilidades, as espiritualidades
A Ideologia.
Persigo cegamente
Ilusões, miragens, fascínios
Temores, valentias, esperanças
Os destinos, as revoluções, o saber
Hoje eu assisti as batalhas
Dos tempos: do grande tempo da espera
Versus o pequeno tempo da entrega
E posso reduzir meu mundo
Ao tamanho dos meus sonhos
Posso reduzir minha vida
À importância das minhas lembranças
Sou sustentado em raízes firmes, mas sonhador
Sou fraco e pequeno, pensador nas horas cheias
Venho de longe, com olhos acortinados
Quem viaja por rotas estelares
Lê a história dos homens e dos anjos
Dá sentido às diversidades e às quimeras
É desafiador falar de coisas corriqueiras
Falar o que sinto numa manhã de sol
O que o traz em mim a melodia no rádio
O que imagino calado
Sentado sob a sombra fresca
Então!
Como ser capaz de falar mais
Ousar além da lucidez
Agora, venho poetizar
É hora de abrir a janela
De ouvir a música das aves
E beber o mel da manhã
Hoje notei que havia algo diferente no telhado azul
Desde cedo, ouvia uma voz persistente
Cantando baixinho
Dentro dos pensamentos lineares
E dos pensamentos fluídos
Passei avoado por entre casas e árvores
Passeei nas curvas e nas circunstâncias
Meus caminhos turvaram
Estive sozinho por entre muros e faces
Vagueei perdido em cenários descoloridos
Atravessei nuvens e jatos brancos
Sob os para-sóis e para-ventos
Vim ouvindo uma voz cálida
Que era a falta de voz
Que era a presença, que era ternura
Lamparinas dos olhos
Do fim do mundo
Acenos de leques luzentes
Do horizonte, da jornada
É com o fogo dos olhos
Que acende a fome da vida
(...)”
E assim, entendi, colhi ou acolhi, de acordo com a poesia que me habita, o que significa, segundo o autor, esse “É preciso viver por dentro e por fora.”
Talvez seja levar sempre em si, o ainda ser menino, o ser homem, ser pessoa que contempla, que sonha, que liberta, que vive, que busca, lembra, poetiza e que não se satisfaz em calar o que não se cala.
Milho de Grilo é uma obra onde a poesia reitera cada palavra, cada verso, cada intenção. É uma obra que abastece o sentimento. É ao mesmo tempo uma busca e uma resposta. É a obrigatoriedade e a sensibilidade de um despertar para o belo que se dispersa ante o tempo que avança. É um olhar para dentro que revela o que se tem por fora.
Grata pela possibilidade desse olhar sobre teus poemas.
Andrea Cristina Lopes – Cascavel / PR – Setembro de 2016